Boom de criptoativos gera novos desafios para estabilidade financeira, diz FMI
Com as oportunidades vêm os riscos, diz o FMI em seu Relatório de Estabilidade Financeira O surgimento dos criptoativos cria diversas oportunidades, como pagamentos rápidos e fáceis, serviços financeiros inovadores e inclusão em partes do mundo anteriormente sem banco. Entretanto, junto com as oportunidades vêm os desafios e riscos, e o forte crescimento dessa classe de ativos pode colocar em risco a estabilidade financeira global. É o que conclui o Fundo Monetário Internacional (FMI) no capítulo 2 do seu Relatório de Estabilidade Financeira Global. O estudo aponta que esse risco ainda não é sistêmico e parece ser contido, mas destaca que as autoridades devem ficar alertas.
O FMI aponta que o valor total de mercado de todos os ativos criptográficos ultrapassou US$ 2 trilhões em setembro, uma expansão de dez vezes desde o início de 2020. Todo um ecossistema também está florescendo, como bolsas (exchanges), carteiras, mineradores e emissores de stablecoins.
Muitas dessas entidades carecem de fortes práticas operacionais, de governança e de risco. Bolsas de criptomoedas, por exemplo, enfrentaram interrupções significativas durante períodos de turbulência de mercado. Existem também vários casos de hackers roubando fundos do cliente. Até agora, esses incidentes não tiveram um impacto significativo na estabilidade financeira. No entanto, conforme os ativos criptográficos se tornam mais convencionais, sua importância em termos de implicações potenciais para a economia em geral deve aumentar, diz o relatório.
Segundo o FMI, o pseudoanonimato dos ativos criptográficos também cria lacunas de dados para os reguladores e pode abrir portas indesejadas para a lavagem de dinheiro, bem como para o financiamento do terrorismo. Embora as autoridades possam ser capazes de rastrear transações ilícitas, elas podem não ser capazes de identificar as partes envolvidas em tais transações. Além disso, os criptoativos se enquadram em diferentes marcos regulatórios em diferentes países, tornando a coordenação mais desafiadora.
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Andrey Rudakov/Bloomberg
A maioria das transações em bolsas de critpomoedas acontece por meio de entidades que operam principalmente em centros financeiros offshore. Isso torna a supervisão e aplicação da lei não apenas desafiadora, mas quase impossível sem colaboração internacional, diz o FMI.
A entidade aponta que as chamadas stablecoins – que visam atrelar seu valor geralmente ao dólar – também estão crescendo muito. Porém, o termo engloba um grupo muito diverso de ativos e pode ser enganoso. A entidade explica que, dada a composição de suas reservas, algumas stablecoins podem estar sujeitas a corridas de saques, com efeitos em cadeia para o sistema financeiro. Essas corridas podem ser impulsionadas pelas preocupações dos investidores sobre a qualidade de suas reservas ou a velocidade com que as reservas podem ser liquidadas para atender a potenciais resgates.
O FMI afirma que, embora seja difícil de mensurar a extensão da adoção de ativos criptográficos, países emergentes e as economias em desenvolvimento parecem estar liderando esse movimento. Olhando para o futuro, a adoção rápida e generalizada pode representar desafios significativos por reforçar tendências de dolarização da economia – ou, neste caso, ‘criptozação’ – onde os residentes começam a usar ativos criptográficos em vez da moeda local. A ‘criptozação’ pode reduzir a capacidade dos bancos centrais de implementar efetivamente a política monetária.
Sem citar nominalmente o caso de El Salvador, que no mês passado se tornou o primeiro país do mundo a adotar o bitcoin como moeda oficial, o FMI diz que a adoção de um criptoativo como principal moeda nacional acarreta riscos significativos e é um atalho desaconselhável.
Outra ameaça que pode se intensificar é em relação à política fiscal, dado o potencial dos criptoativos de facilitar a sonegação. Além disso, o aumento da demanda por ativos criptográficos também pode facilitar saídas de capital que afetam o mercado de câmbio. O estudo aponta ainda que uma migração da atividade de “mineração” da China para outro mercado emergente pode ter impacto importante no uso de energia.
Nesse contexto, o FMI orienta que os reguladores e supervisores precisam ser capazes de monitorar desenvolvimentos rápidos no ecossistema de criptoativos e os riscos que eles criam ao lidar com lacunas de dados. A natureza global dos ativos criptográficos significa que os formuladores de políticas devem melhorar a coordenação internacional para minimizar os riscos de arbitragem regulatória e garantir uma supervisão e fiscalização eficientes.
O fundo comenta ainda que os reguladores nacionais devem priorizar a implementação das políticas globais existentes. Isso serve para lavagem de dinheiro, exposição bancária, regulamentação de valores mobiliários, pagamentos, compensação e liquidação. À medida que o papel das stablecoins cresce, as regulamentações devem ser proporcionais aos riscos que elas representam e as funções econômicas a que servem. Por exemplo, as regras devem estar alinhadas com entidades que fornecem produtos semelhantes (por exemplo, depósitos bancários ou fundos do mercado monetário).
Segundo o estudo, em alguns mercados emergentes, a criptozação pode ser impulsionada pela baixa credibilidade do banco central, sistemas bancários vulneráveis, ineficiências nos sistemas de pagamento e acesso limitado a serviços financeiros. Assim, diz que as autoridades devem priorizar o fortalecimento das políticas macroeconômicas e considerar os benefícios de uma moeda digital emitida pelo banco central (CBDC, na sigla em inglês). As CBDC podem ajudar a reduzir as pressões de ‘criptozação’ se ajudarem a satisfazer as necessidades de melhores tecnologias de pagamentos.
Para o FMI, o tempo é essencial e a ação deve ser decisiva, rápida e bem coordenada globalmente para permitir que os benefícios floresçam, mas, ao mesmo tempo, também abordar as vulnerabilidades.